Conexão Humana

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Todos nós passamos por uma infância de privações. Por mais conscientes e evoluídos que tenham sido nossos pais, nesse nosso mundo neurótico não há adultos completamente equipados para conectar totalmente com seus filhos e assim prover todas suas necessidades.

Ainda que tenhamos grandes teorias sobre como criar nossos filhos, cada ser humano recém-chegado vem com sua própria gama de especialidades, necessidades, potencialidades e fragilidades. A “receita” que se aplica a uma criança pode não ter sucesso com outra, até porque crianças não são bolos…

Assim, todos nós crescemos carregando uma boa dose de frustrações e vazios em nosso ser, na maior parte das vezes encobertos de muitas camadas de sentimentos reprimidos e empurrados para o porão do inconsciente. Acontece que, para uma criancinha recém-chegada a este mundo, cheia de confiança e inocência, a simples desatenção ou falta de cuidado, seja ele físico ou afetivo, representa uma grande dor, tensão, desespero. E tudo isso fica com a gente, que, ao crescer, cuida de ir mantendo todo esse pesar bem escondidinho até que nósmesmos não tenhamos mais conhecimento dele. Só que, gato escaldado não pisa na água fria… ao nos relacionarmos com outras pessoas na vida, especialmente com as que nos tocam mais profundamente, soa aquele estranho alarme informando que há perigo! Ele soa sob a forma de desconfiança, de ciúme, de insegurança, de reagir ao que o outro traz antes mesmo de tentar entender… e realiza eficazmente sua função de nos manter à distância dos outros seres humanos. Assim vamos crescendo e tecendo este mundo de desconexão humana e o encobrimos por uma falsa conexão virtual, onde todos são representações farsescas de si mesmos, sem chance para a troca humana que realmente vai satisfazer nossa alma.

A velocidade enlouquecida em que vivemos é apenas um reflexo desta desconexão, pois, se pararmos, corremos o maravilhoso risco de sentir e é justamente disto que estamos constantemente fugindo. E, por não sentirmos mais as simples maravilhas da vida, estamos buscando a reposição artificial desta adrenalina em diferentes formas de “fast-feel” – e viva a vida virtual, a pornografia, a escalada pelo poder e dinheiro, as drogas lícitas e ilícitas, a terapia
das compras…

Tem saída? Tem. Mas não tem atalho, tem que sentir de novo.

Isso implica cavar todas as camadas de frustração, dores, medos e raivas que fomos acumulando e escondendo dentro de nossos corpos que, com isso, vão perdendo a capacidade de relaxar, de curtir, de gozar. Já reparou que nossa vida moderna tá cada vez mais organizada para deixar o corpo de lado? Agora, para que possamos caminhar, veja bem, caminhar, temos que nos trancar numa sala e pagar a alguém para fazer isso em cima de uma máquina, de frente à parede ou à janela (de onde dá pra avistar toda a poluição e feieza da cidade)! Quantas das nossas crianças treparam em árvores? Quantos de nós usamos nossos corpos com prazer e vigor no nosso dia-a-dia? E o sexo? Se fazcom o corpo, né? E me explica como é que corpos endurecidos, desvitalizados, fracos e tensos vão conseguir se entregar às alturas e profundezas da sexualidade humana?

Agradeça ao nosso modo neurótico de viver pela ejaculação precoce, impotência, frigidez, incapacidade de ter orgasmo, etc. Ah, mas não faz mal, tem viagra, cyalis, brinquedinhos, fantasias, teorias modernas que defendem que sexo nem é tudo isso mesmo…

Pode me chamar de utopista, mas não querer concordar com viver de um jeito enlouquecedor eu chamo de sanidade.  E é essa sanidade que se busca diariamente aqui na Comunidade Osho Rachana. Veja bem, eu disse que se busca! Temos plena consciência de que este processo de desenlouquecimento é um trabalho de uma vida inteira. Porque o mundo está organizado para enlouquecer, então precisamos de um compromisso com estar atento para perceber os momentos em que abrimos as pernas para o sistema e voltarmos aos trilhos. E nisto é fundamental estar junto com pessoas na mesma busca. Quando eu piso na bola e escorrego pra dentro da minha loucura pessoal, tem muito amigos na volta pra me dar uma mãozinha e me mostrar o que tá acontecendo.

A convivência e conexão com outras pessoas tem esse poder de curar as feridas da falta deconfiança que carregamos desde a infância. Quando a gente era criancinha, era muito fácil se apaixonar pelos amigos, lembra? Era um amor tão puro e intenso, não se pensava no futuro, na possibilidade de traição ou de ser machucado. A gente era feliz! E aprender a desconfiar, a se dar pouquinho pra não se ferrar, a “se fazer” pro outro gostar só fez da gente miseráveis e vazios. E quer saber? Estar de coração aberto e confiar no amor e na amizade não tem nada a ver com o outro ser digno de confiança ou não. O que faz a gente feliz é amar, ser amado é só um bônus track… ou por acaso você se amarra em ter pessoas loucas por você as quais você não ama?

Numa comunidade como a nossa, a gente procura se relacionar a partir da verdade de cada um. Isso nem sempre é super lindo e pacífico. Às vezes a verdade é que nossas opiniões ou vontades são diferentes e aí temos que lidar com isso. Às vezes pisamos na bola sem perceber, e aí o outro sente raiva, tristeza, e temos que lidar com isso. Escolhemos vivenciar nossas emoções ao invés de reprimí-las ou “sublimá-las”, pois consideramos que os sentimentos são temperos da vida humana e não os rejeitamos. A tristeza traz profundidade; o medo, atenção; a raiva traz poder e a alegria e o amor, trazem expansão. Queremos tudo que a vida é de verdade, sem exclusão.

O que acontece quando se vive assim é que brota naturalmente aquela qualidade de se importar com o outro. Quando alguém não está bem, não passa despercebido e, o que numa vida isolada poderia levar meses para se resolver, acaba movendo rapidinho e soluções vão aparecendo, seja para uma questão financeira, ou de relacionamento, familiar, etc.

Eu acredito na vida em comunidade como uma solução eficaz para um mundo que está tão profundamente desconectado da natureza. Num momento em que a discussão é de quem é o direito de explorar o óleo que unta as entranhas do planeta e ganhar muito dinheiro com isso, ao invés de se perceber que este óleo é parte da Terra e ela precisa dele lá, onde está, untando suas entranhas como alguns cientistas tentaram alertar, sem sucesso… Estamos a caminho de destruir o planeta em troca de que? Dinheiro? Poder? Olha, se as pessoas estivessem vivendo vidas felizes e realizadas, não haveria ponto algum nestes absurdos. Poder, dinheiro, prestígio algum vão preencher este vazio de conexão, de sentimento, de vida real e por isso a corrida por estes pobres substitutos não vai parar nunca.

Mas cada um faz a sua parte e qualquer mudança começa por mim. Então fico grata de poder compartilhar minhas idéias com vocês aqui neste artigo, mas dá licença que vou ali curtir meus amigos um pouco, que o sol tá lindo ali fora 😉

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