Livre por fora, freira por dentro

Tempo de leitura: 6 minutos

Por Ingrid Vanmalli

Nós mulheres somos muito reprimidas sexualmente desde a infância, muito mais do que
os homens. Não só nas coisas explicitamente sexuais, como as constantes ordens para manter a
perna fechada, não usar saia curta, cuidar o jeito que se mexe, para onde e para quem olha, não
parecer “oferecida” demais. Mas também no sentido de liberdade de ser mais espontânea, livre,
selvagem.
Os meninos são muito mais encorajados a fazer aventuras, brincar, correr, pular, não tem
tantas convenções de como se portar na sociedade. Já para nós tudo é mais perigoso, mais
delicado, mais cheio de certos e errados. Não podemos brincar na rua, jogar bola, uma menina
não pode ser muito “moleque". O certo de uma boa menina é ficar em casa brincando de boneca,
ajudando a mãe em casa e ouvindo contos de fada. Somos super incentivadas a brincar de
casinha, mamãe e filhinha. Os brinquedos para meninas são geralmente kits de panelinhas,
fogão, máquina de lavar roupa, fábricas de biscoitos ou outras comidas, ou bonecas de todos os
tipos. Brincadeiras que nos ensinam a ser boas mães e ótimas donas de casa. Nada muito
agressivo, nada que fuja muito do normal. É preciso se comportar bem e esperar o príncipe
encantado.
Vivendo em contos de fadas
Hoje em dia existem até mesmo cursos de princesa para crianças. Ensinando meninas a
se comportarem como princesas. Alguma vez alguma mãe que matricula sua filha em um curso
desses parou pra pensar em como era a vida de uma princesa na realidade? Eram meninas de
12, 13 anos que eram enviadas a famílias de reinos distantes, para se casarem com reis que na
verdade eram bárbaros, trogloditas, pedófilos e estupradores. Só nos contos da Disney que eles
são homens apaixonados que enfrentam o mundo para salvar a mulher amada.
E mesmo nas versões da Disney a situação das mulheres não melhora… a Branca de
Neve passa o dia arrumando a casa para os Sete Anões, a Bela Adormecida passa o dia
dormindo esperando que um homem a venha tirar do sono profundo, Rapunzel passa o dia
penteando suas tranças na janela, a Pequena Sereia abre mão da sua voz e do seu rabo de
sereia para se casar com um príncipe na terra. Todas muito bem comportadas esperando que
algo aconteça em suas vidas. Essas meninas que passam a infância acreditando em contos de
fada crescem e viram mulheres que não sabem nada sobre sexualidade, sobre sentir prazer,
sobre se soltar na cama. Apenas sabem ser boas meninas e vão reproduzindo essas princesas
em suas vidas. Seguem bem comportadas, sentindo o mínimo de prazer, isso quando sentem
algum, esperando o príncipe que vai vir salvá-las.
Moderna por fora, conservadora por dentro
Você pode pensar que isso não se aplica a você, que essas questões não fazem mais
parte da vida de uma mulher moderna. Afinal, na aparência, hoje em dias as coisas são mais
relaxadas, as mulheres saem a noite, tem transas casuais, vivem mais sua sexualidade. Tudo fica
mascarado dentro de um estilo de vida mais liberal e acabamos acreditando que somos super
bem resolvidas sexualmente, que já superamos as princesas da Disney.
Acontece que toda essa carga histórica e da nossa criação fica por trás de tudo que
fazemos. No sexo vivemos muito menos da metade do prazer que poderíamos viver. Isso sem ao
menos saber que poderíamos viver mais. Toda essa contenção de ter que ser bem comportada é
igual na hora de transar. Imagina se tu soltasse totalmente a cabeça, a vergonha, os julgamentos
e fizesse o que quisesse na cama. No fundo sempre tem uma voz dizendo que se tu fizer isso vão
achar que tu é uma puta, se tu fizer aquilo imagina só o que o cara vai pensar, imagina o que tua
mãe acharia de tudo isso, e teu pai? Melhor manter as coisas sob controle. Se for demais pode
dar merda. E assim temos transas contidas, com movimentos contidos, com sons contidos. E
temos vidas contidas, com nossas vontades, nossos sonhos contidos. Tudo bem preso dentro
disso que chamamos corpo.
Como a mulher pode resgatar seu prazer, seu poder?

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É preciso resgatar a naturalidade, resgatar a espontaneidade, aquele lado nosso que é
bicho, que é instinto. Temos sido mulheres que sabem nada ou muito pouco sobre o que é ser nós
mesmas, ser espontâneas. A maioria nunca se masturbou porque é errado, porque tem vergonha,
porque não se sente relaxada. Mas como pode alguém não se sentir relaxado com seu próprio
corpo? Isso deveria ser um absurdo, mas acaba sendo a coisa mais normal entre as mulheres.
Não estarem relaxadas com seu próprio corpo. Sempre tem algo que está ruim, que tem que
mudar, que não está bom o suficiente.
Como alguém vai sentir prazer quando tem tantas coisas erradas com ela. Como ela vai
relaxar para ser ela mesma na cama com outra pessoa se nem mesmo sozinha ela consegue. O
prazer não conhece esse bom comportamento. O prazer sexual não acontece com limites, com
vergonhas, com medos. O prazer sexual é selvagem, é livre. E ele traz liberdade para as outras
coisas da vida, nos tira da caixinha bem estruturada que a sociedade inventou. E a coisa vira um
círculo: porque se a mulher nunca foi selvagem, nunca foi espontânea, na cama ela vai continuar
sendo uma boneca de porcelana e, consequentemente, na vida vai continuar cumprindo o papel
de boa esposa, de boa filha, de boa mãe, mas nunca de mulher.
As mulheres precisam resgatar seu direito de serem sexuais, sensuais, instintivas e para
isso é preciso expressar tudo que fica no meio disso. Toda essa educação machista se disfarça no
nosso corpo em forma de tensões musculares que limitam a capacidade de sentir, de expressar.
Com os exercícios de bioenergética essas tensões vão se desfazendo e o corpo vai respondendo
mais aos sentimentos. A região pélvica vai desbloqueando e muitos medos e vergonhas sexuais
podem ser expressos liberando espaço para mais prazer, mais energia, mais auto-confiança. A
única maneira de se livrar desse passado negro que foi a história das mulheres no mundo é
expressando.

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